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POR ONDE COMEÇAR QUANDO TUDO PARECE O FIM?

Atualizado: 10 de jul. de 2020

Eu amo estar em contato com a natureza, estudo espiritualidade e me preocupo com a alimentação. Separo meu lixo, faço compostagem, mexo na horta. Eu me achava uma pessoa super integrada, consciente e tal, mas há cerca dois de anos uma ficha caiu.

Percebi que isso não era mais suficiente. Chegamos em um momento do mundo que ou a gente muda ou a gente explode. Ter um comportamento sustentável é não só inevitável como a melhor saída para o ponto em que chegamos.

Tudo mudou quando entrei em contato com algumas informações sobre a indústria da moda: as práticas escravistas de algumas marcas, o valor pago para a maioria das costureiras, o baixo índice de reciclagem de peças de roupa no Brasil e no mundo…

A partir daí, comecei a refletir sobre o peso do meu consumo. Vi o quanto estava ligada a toda essa engrenagem maluca que faz com que nada seja suficiente. E senti a necessidade de buscar outras possibilidades de me relacionar com tudo em volta, com a cidade e o mundo.

Expandi minha percepção acerca do consumo consciente, entrei numa relação mais propositiva e questionadora com o que se compra e em uma forte reflexão sobre o slow living, esse estilo de vida que abraça um ritmo mais natural, menos mecânico e desenfreado. Estou aceitando melhor o meu próprio tempo. Soma-se a esse movimento de transformação uma rotina que acompanha as fases da lua e os trânsitos astrológicos e uma nova forma de me relacionar com meu ciclo menstrual.

Esse processo não foi exclusivo meu. Houve mesmo um boom de todas essas reflexões e a sustentabilidade parece ter entrado em pauta de vez. De repente, produtos biodegradáveis começaram a ser lançados, cosméticos menos tóxicos, orgânicos, cruelty free, moda sustentável… tudo convivendo nas prateleiras do mercado. A proibição das sacolinhas plásticas, dos canudos…

O duro é perceber que foi a partir do momento que surgiram boas opções de menor impacto ambiental no mercado que ficou mais fácil levantar a bandeira da sustentabilidade. Essa é a realidade de quem nasceu e viveu a vida toda em grandes centros urbanos. No fundo, tudo isso tem a ver com consumo, comércio.

Viver na cidade grande é desafiador. Exige entregas, sucesso, persistência. Ailton Krenak, escritor indígena nascido na Região do Vale do Rio Doce, ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos dos indígenas discute isso no seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”. Ele diz que a “civilização” nos jogou em uma rede de homogeneização que chamamos de humanidade e que mais aliena do que integra. Formata um estilo de vida “ideal” ao passo que renega outras formas de viver. Em prol da civilização as pessoas estão desconectadas de si. Doentes. E consomem remédio por saúde, consomem mercadorias por felicidade, consomem suas próprias vidas fazendo o que não querem para ter o que não precisam.

Até esse termo “sustentabilidade” fica sem sentido e se assemelha a qualquer outra mercadoria a ser consumida dentro dessa lógica, desse sistema. Mais uma tática para nos manter alienados, quando o termo é utilizado de forma superficial. Muito se tem falado sobre o greenwashing, que é justamente o uso de alguns preceitos da sustentabilidade para enquadrar o produto na “moda”, dizer que se preocupa com esse assunto e seguir com as práticas habituais de comércio como estão acostumados.

Agora, à medida que entramos em contato com toda essa gama de reflexões, de tentativas bem-sucedidas de novas formas de viver a cidade, com novos modelos de relações, de trabalho, entrando em contato com a nossa natureza, as coisas vão mudando. E isso tá sendo bem bonito. Afinal, é necessário começar de algum lugar! O processo que temos que viver é longo. Mas se não começarmos, mesmo com pequenas ações, como é que a consciência vai mudar?

Ao mesmo tempo que essa grande transformação está em curso, a contradição aumenta também. Por um lado, há um despertar coletivo, uma valorização das culturas ancestrais indígenas, mas, por outro, vemos uma grande perseguição dessas culturas por parte daqueles que preferem acabar com a terra para fazer shopping center. Quanto mais cresce a consciência, mais há a necessidade de controle dos que não estão interessados em que haja uma mudança.

Às vezes dá a impressão de que não adianta nada. É como se esse boom da sustentabilidade fosse um respiro de utopia e que logo ele pode ser engolido novamente por um buraco negro e tudo não vai passar de um grande furor coletivo.

Espero que não seja assim e que cada vez mais pessoas sintam que viver de uma maneira mais sustentável é compreender a vida de forma mais integrada consigo e com a natureza. É repensar a todo momento se os passos que estamos dando estão nos fazendo bem, se nos trazem saúde física e mental, se estão relacionados a práticas de comércio justo, se abrem caminho para mais possibilidades do bem-viver.

Tenho muitos amigues do mundo corporativo mudando de área profissional em busca de mais qualidade de vida. Essa qualidade de vida tem a ver com a capacidade de conexão com a própria essência, com a própria natureza. E esse é um excelente ponto de partida para uma mudança de hábito eficaz.

Krenak fala que não enxerga nada que não seja natureza. Ele diz: “Quando, por vezes, me falam em imaginar outro mundo possível, é no sentido de reordenamento das relações e dos espaços, de novos entendimentos sobre como podemos nos relacionar com aquilo que se admite ser a natureza, como se a gente não fosse natureza.” Nós somos natureza, a cidade é natureza, tudo é natureza. Pensar a cidade como uma grande floresta deveria ser o foco das políticas ambientais.

Uma vez que se começa essa reintegração, eu-natureza, não tem como voltar atrás. A vida muda toda. E pra melhor. Essa ideia de que somos nós e a natureza, essa separação que inventaram, nos faz não só explorar os recursos naturais da maneira como é feito, como nos alienar de nós mesmos.

Há um chamado em curso para viver a natureza, para atentar sobre o estresse que faz adoecer, para buscar formas mais fluidas de lidar com as pressões do dia a dia. Fazer análise, terapias alternativas, rituais xamânicos. É preciso se dar esse tempo. Precisa decantar as experiências. Precisa se permitir entrar em contato com a própria natureza, mais íntima. E ao tomar contato com tudo isso, percebemos as mudanças nos nossos corpos e espírito. A saúde melhora, o humor melhora, as relações melhoram. Precisamos menos de remédios, ultrapassamos nossos limites, conectamos pessoas, a vida fica mais leve.

Então, se temos que começar de algum lugar, que seja por dentro do nosso sistema mesmo, com pequenas mudanças no cotidiano. Que o aprofundar nessa dinâmica nos leve a outras formas de atuação, de presença, de ser no mundo. Que seja na perda do medo da escassez e da falta, que seja em relações mais igualitárias, que seja no respeito por todos os povos, que seja nos amando mais…

Quem sabe assim a gente ajude o mundo a respirar melhor? Quem sabe assim o mundo adoeça menos? Vamos juntxs!



Texto para o blog @cenacrua de @lilaguima

Foto Lucas Fonseca


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